Essa foi uma semana especialmente musical. minha pequena de oito anos começou a tocar Beethoven – Für Elise. Meu coração de mãe ficou transbordante de emoção. É bem verdade que fiquei estudando com ela – e confessando a verdade, precisei estudar teoria musical, pois ao contrário dela eu não tive o privilégio de estudar música quando criança. Nos divertimos muito, pois quando eu dizia que a nota tocada estava errada ela teimava comigo e dizia: “Como você sabe se não consegue ler a partitura?” E eu respondia:”É que eu conheço a música…” Mas precisei entrar num site de teoria e aprender a posição de cada nota para poder ajudá-la no estudo. E estamos progredindo, eu e ela.
Na quarta-feira fomos eu, ela e a professora de música dela – e porque não dizer, nossa amiga – a uma noite dedicada ao Choro. A noite no Teatro Guaíra começou com Pixinguinha e a sua bela valsa Rosa. Essa é uma música tão fantástica que chega ser difícil acreditar que Francisco Alves e Carlos Galhardo deixaram de lançar “Rosa” porque Carinhoso havia sido rejeitado destinado ao lado “A” do mesmo disco. Esta belíssima valsa sobrou, então, para Orlando Silva, que lhe deu interpretação magistral. Segundo Pixinguinha, “Rosa” é de 1917 e chamou-se originalmente “Evocação”, só recebendo letra muito mais tarde. “O autor dessa letra” – esclarece ainda Pixinguinha – “é Otávio de Souza, um mecânico do Engenho de Dentro-bairro carioca – muito inteligente e que morreu muito novo”.
Orlando Silva abandona esta música após a morte de sua mãe, dona Balbina, em 1968. Era sua canção favorita, e o sensível Orlando jamais conseguiu voltar a cantá-la sem chorar. “Rosa” é uma linda valsa “de breque”, mas de difícil interpretação vocal, especialmente para o uso de legatos, já que as pausas naturais são preenchidas por segmentos que restringem os espaços para o cantor tomar fôlego.
Quanto à letra, é também um exemplo do estilo poético rebuscado em moda na época: “Tu és divina e graciosa, estátua majestosa / do amor, por Deus esculturada e formada com o ardor / da alma da mais linda flor, de mais ativo olor / que na vida é preferida pelo beija-flor… ‘. O desafio de regravar “Rosa” foi tentado por alguns intérpretes, sendo talvez o melhor resultado 0 obtido por Marisa Monte; em 1990, com pequenas alterações melódicas.
Rosa (valsa, 1917) – Pixinguinha
Tu és, divina e graciosa
Estátua majestosa do amor
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida pelo beija-flor
Se Deus me fora tão clemente
Aqui nesse ambiente de luz
Formada numa tela deslumbrante e bela
Teu coração junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado sobre a rósea cruz
Do arfante peito seu
Tu és a forma ideal
Estátua magistral oh alma perenal
Do meu primeiro amor, sublime amor
Tu és de Deus a soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes cheios de sabor
Em vozes tão dolentes como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim que tem de belo
Em todo resplendor da santa natureza
Perdão, se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh flor meu peito não resiste
Oh meu Deus o quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar em esperar
Em conduzir-te um dia
Ao pé do altar
Jurar, aos pés do onipotente
Em preces comoventes de dor
E receber a unção da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te até meu padecer
De todo fenecer
Ao longo da noite ouvimos ainda Odeon, Apanhei-te cavaquinho, Tico-tico no fubá, Brasileirinho e outros clássicos do gênero. Ouvimos composições dos maravilhosos músicos presentes que improvisavam em 12 músicos! Foi mais que um show, foi uma demonstração do grande talento e do prazer dos músicos em executarem boa música. E levar compartilhar tais momentos com a minha filha torna tudo isso ainda mais especial.
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