“Chorinho” de Cândido Portinari
Minha filha de oito anos veio da escola dizendo que tinha uma lição de casa da aula de música. Descobrir o que é chorinho e se possível ouvir.
Eu que sou fã desse gênero musical fiquei feliz e logo abri uma lista de reprodução que já havia no meu computador, montada em meados de 2009. Ficamos ouvindo os acordes de Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga enquanto eu tentava explicar um pouco da história dessa música.
O Choro, popularmente chamado de chorinho, é um gênero musical com mais de 130 anos de existência. É uma manifestação musical genuinamente brasileira. Os conjuntos que o executam são chamados de rodas de choro e os instrumentistas (assim como os compositores), são chamados de chorões.
Apesar do nome, o gênero é em geral de ritmo agitado, alegre e ricamente sincopado, caracterizado por sutis modulações e pelo virtuosismo e improviso dos participantes, que precisam ter muito estudo e técnica além de pleno domínio de seu instrumento. O choro é considerado a primeira música popular urbana típica do Brasil e é muito difícil de ser executado.
O nome Choro veio do caráter plangente e choroso da música que esses pequenos conjuntos faziam. A composição instrumental desses primeiros grupos de chorões girava em torno de um trio formado por flauta, instrumento que fazia os solos; violão, que fazia o acompanhamento como se fosse um contrabaixo —os músicos da época chamavam esse acompanhamento grave de “baixaria”—; e cavaquinho, que fazia o acompanhamento mais harmônico, com acordes e variações.
Surgiu em meados de 1870, no Rio de Janeiro, e nesse início era considerado apenas uma forma abrasileirada dos músicos da época tocarem os ritmos estrangeiros, que eram populares naquele tempo, como o xote, a valsa e principalmente a polca. O flautista Joaquim Calado é considerado um dos criadores do Choro, ou pelo menos um dos principais colaboradores para a fixação do gênero, quando incorporou ao solo de flauta, dois violões e um cavaquinho, que improvisavam livremente em torno da melodia, uma característica do Choro moderno, que recebeu forte influência dos ritmos que no início eram somente interpretados, demorando algumas décadas para ser considerado um gênero musical.
Vários músicos e compositores contribuíram para que esse maneirismo inicial se transformasse em gênero. Autor da polca Flor Amorosa, que é tocada até hoje pelos chorões, Joaquim Antonio da Silva Callado foi professor de flauta do Conservatório de Música do Rio de Janeiro. De seu grupo fazia parte a pioneira maestrina Chiquinha Gonzaga, não só a primeira chorona, mas também a primeira pianista do gênero. Em 1897, Chiquinha escreveu para uma opereta o cateretê Corta-Jaca, uma das maiores contribuições ao repertório do choro. Outro pioneiro foi o clarinetista e compositor carioca Anacleto de Medeiros, que realizou as primeiras gravações do gênero, em 1902, à frente da Banda do Corpo de Bombeiros. Assim como outros registros posteriores, essas gravações indicam que a improvisação ainda não fazia parte da bagagem musical dos chorões naquela época.
Essencial para a formação da linguagem do gênero foi a obra de Ernesto Nazareth, que desde cedo extrapolou as fronteiras entre a música popular e a erudita. O autor de chorinhos clássicos como Brejeiro, Odeon e Apanhei-te Cavaquinho destacou-se como criador de tangos brasileiros e valsas, mas de fato exercitou todos os gêneros musicais mais comuns daquela época. A sofisticação da obra de Nazareth era tamanha, que (exceto no caso de Radamés Gnattali, um de seus melhores intérpretes) sua obra só foi definitivamente integrada ao repertório básico dos chorões nos anos 40 e 50, por meio das gravações de Jacob do Bandolim e Garoto.
Também genial, Alfredo da Rocha Vianna Filho, o Pixinguinha, contribuiu diretamente para que o choro encontrasse uma forma definida. Para isso, introduziu elementos da música afro-brasileira e da música rural nas polcas, valsas, tangos e schottische dos chorões. É o caso do maxixe Os Oito Batutas, gravado em 1918, cujo título antecipou o nome do primeiro conjunto a conquistar fama na história da música brasileira. Protagonistas de uma polêmica temporada de seis meses em Paris, no ano de 1922, Pixinguinha e seus parceiros na banda Os Batutas (um septeto, na verdade) dividiram a imprensa e o meio musical brasileiro, entre demonstrações de ufanismo e desqualificação. Foi também sob duras críticas que Lamentos (de 1928) e Carinhoso (composto em 1917 e só gravado pela primeira vez em 28), dois inovadores choros de Pixinguinha, foram recebidos pela crítica. O fato de ambos terem sido feitos em duas partes, em vez de três, foi interpretado pelo preconceituoso crítico Cruz Cordeiro como uma inaceitável influência do jazz.
Outra personalidade de peso na história do gênero foi o carioca Jacob Pick Bittencourt, o Jacob do Bandolim, famoso não só por seu virtuosismo como instrumentista, mas também pelas rodas de choro que promovia em sua casa, nos anos 50 e 60. Sem falar na importância de choros de sua autoria, como Remeleixo, Noites Cariocas e Doce de Coco, que fazem parte do repertório clássico do gênero. Contemporâneo de Jacob, Waldir Azevedo superou-o em termos de sucesso comercial, graças a seu pioneiro cavaquinho e choros de apelo bem popular que veio a compor, como Brasileirinho (lançado em 1949) e Pedacinhos do Céu.
No vídeo Rosa de Pixinguinha interpretado por Baden Powell
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